Como obter progresso genético e melhores resultados financeiros
Cleocy Fam de M. Júnior | Zootecnista
A seleção genômica impulsionou a genética da indústria leiteira ao longo dos últimos anos. Independentemente de você utilizar sêmen de animais melhoradores com avaliações conhecidas através de sua progênie ou usar touros jovens (testados genomicamente), você provavelmente já sentiu os efeitos de alguma forma.
Sem dúvida, o maior impacto da genômica até o momento tem sido o uso massivo de touros jovens, ou seja, não há sequer uma única filha avaliada. Em 2015, mais de 65 % das inseminações na raça Holandesa foram por touros jovens testados genomicamente. Este número é mais do que o dobro do que se utilizava de touros jovens em 2007. Não há sequer um touro disponível atualmente no mercado que não tenha sido touro genômico, mesmo os que agora já possuem diversas filhas começaram a ser vendidos como touros genômicos e a genômica faz parte de sua avaliação para poder aumentar a confiabilidade da informação. E o que há de bom nisso?
O que há de bom é que temos conseguido reduzir consideravelmente o intervalo de gerações dos bovinos leiteiros, pois utilizamos touros e matrizes jovens com informações de altíssima acurácia e com isso temos evoluído, e muito, geneticamente. Estamos evoluindo a cada ano, 3 vezes mais o que evoluíamos antes de 2009, ano da implementação das avaliações genômicas nas provas de touros dos Estados Unidos e Canadá e que como estes países são exportadores de genética, este fato impactou e continua impactando toda a cadeia produtora de leite mundial.
E quanto a tal via de seleção “fêmeas para produzir fêmeas”? Em outras palavras, estamos fazendo progresso genômico mais rápido através da seleção de melhores matrizes? Estamos escolhendo quem serão as mães de nossas futuras novilhas de reposição? Sinceramente vejo poucas, ou quase nenhuma, fazenda brasileira fazendo isso.
Fotos Wagner Correa
Até hoje, o progresso genético em fêmeas tem sido sempre o elo mais fraco em todos os programas de melhoramento genético, devido aos pecuaristas terem que manter quase todas as bezerras nascidas como uma futura reposição de rebanho. A utilização da Genômica, nas fêmeas, no entanto, oferece aos produtores mais oportunidades para selecionar os acasalamentos que formarão as futuras novilhas de reposição, especialmente em conjunto com o uso de biotecnologias reprodutivas como sêmen sexado e/ou transferência de embriões e fertilização in vitro (FIV).
O paradigma de “criar toda novilha” mudou, pois muitas fazendas possuem instalações modernas, melhor saúde das bezerras, descarte involuntário extremamente baixo e melhores taxas de prenhez (utilizando IATF). Essas alterações de manejo, juntamente ao uso de sêmen sexado e a utilização em larga escala de biotecnologias da reprodução (Transferência de Embrião – TE e Fertilização in vitro – FIV), permitiram pela primeira vez, que criadores de vacas leiteiras produzissem fêmeas a mais do que necessitam para a própria reposição e considerassem a possibilidade de descarte (venda) de um número significativo de bezerras/novilhas, fazendo assim que a receita da propriedade cresça com a venda de animais.
Com este mercado, testes genômicos extremamente confiáveis e que custam menos do que se imagina (cerca de R$200,00/animal) tornaram-se disponíveis no mercado (Clarifide®). Agora podemos, ou melhor, devemos identificar bezerras superiores e inferiores com precisão e confiabilidade em uma idade baixa e usar essa informação para reduzir os custos de alimentação, criação em geral e também melhorar o nível genético de nossas fêmeas de reposição. Será que esta estratégia é viável? Será que a predição genômica confere com os resultados de produção reais (fenótipos) de um rebanho? Para responder estas perguntas iremos ver um resumo dos dados de um estudo científico do Prof. Kent A. Weigel, Departamento de Ciência Leiteiras da Universidade de Winsconsin publicado no ano de 2015.
O exemplo da Universidade de Wisconsin (Madison, WI)
A Universidade de Winsconsin, situada na pacata cidade de Madison no norte dos Estados Unidos é considerada uma das melhores universidades mundiais quando o assunto é pecuária leiteira. O rebanho de Allenstein da Universidade de Wisconsin possui 764 vacas no total, alojadas nas instalações do Campus, de Arlington e de Marshfield. O rebanho, em regime de 2 ordenhas, possui produção média de lactação por vaca de 12.763 Kg de leite, 484 Kg de gordura e 402 Kg de proteína. Desde 2011, todas as bezerras têm sido testadas com Clarifide® da Zoetis. Devido ao fato de aproximadamente 400 das mais de 1.000 novilhas testadas terem crescido e na ocasião da publicação já terem entrado no rebanho leiteiro (lactação), desta forma existem informações suficientes para avaliar a precisão dessas predições genômicas realizadas precocemente.
Na ocasião, um total de 411 vacas Holandesas encontrava-se acima de 60 dias de produção de leite em sua primeira lactação e esses animais foram utilizados para comparar a capacidade prevista de transmissão (PTAg) para produção de leite com a produção real de leite aos 305 dias equivalente a idade adulta. Como referência, também foi utilizada a produção real de leite aos 305 dias equivalente a idade adulta de cada vaca de primeira lactação com a PTA para Leite seu pai.
Tabela 1. Produção de leite em na primeira lactação ajustada 305 I.A. baseado no PTA Genômico para Leite | |||
Quartil | Nº de vacas | Méd. PTA Genômico para Leite (lbs.) | Produção Real de Leite aos 305 I.A. (Kg) |
25% Superiores | 103 | 1.358 | 14.211 |
25-50% Superiores | 103 | 832 | 13.522 |
25-50% Inferiores | 103 | 482 | 12.538 |
25% Inferiores | 102 | -57 | 12.051 |
Kent A. Weigel, Ashley A. Mikshowsky, and Victor E. Cabrera, 2015
Tabela 2. Produção de leite em na primeira lactação ajustada 305 I.A. baseado no PTA do Pai para Leite | |||
Quartil | Nº de vacas | PTA Médio dos Pais para Leite (lbs.) | Produção Real de Leite aos 305 I.A. (Kg) |
25% Superiores | 103 | 1.780 | 13.438 |
25-50% Superiores | 103 | 1.168 | 13.353 |
25-50% Inferiores | 103 | 762 | 13.161 |
25% Inferiores | 102 | 128 | 12.374 |
Kent A. Weigel, Ashley A. Mikshowsky, and Victor E. Cabrera, 2015
Foi um bom investimento?
Avaliando os dados do Dr. Weigel, o PTA genômico para produção de leite aos 12 meses de idade explicou 18,8% da variação na produção aos 305 dias Idade Adulta, enquanto a PTA dos Pais explicou apenas 4,4%. Assim, a informação genômica proporcionou uma melhoria substancial, mas é difícil realmente dizer se esse ganho em precisão valeu os quase R$200,00 (duzentos reais) de custo para realização de um teste genômico.
Sendo assim, vamos olhar para isso de uma outra ótica, dividindo as vacas em 4 grupos (quartis) baseados na PTA Genômico para Produção de Leite aos 12 meses de idade e o PTA de Leite dos Pais. A diferença na produção real entre os quartis superiores e inferiores baseada no PTA Genômico, realizado ainda quando bezerras, foi de 2.160 Kg de leite em apenas uma lactação. Como uma comparação, a diferença foi menor do que a metade (1.064 Kgs) quando as vacas foram divididas em quartis baseados na PTA para Leite de seus pais. Novamente, isso significa que a informação genômica em animais individualmente permite decisões de seleção mais precisas do que se pode alcançar usando apenas informações de pedigree.
É importante observar que, em todos os exemplos, erros de identificação do pai já haviam sido corrigidos usando testes genéticos e antes da correção desses erros o PTA do pai teria sido uma ferramenta de predição ligeiramente pior (só como exemplo, nos Estados Unidos há cerca de 15% de erro de informação de paternidade).
Qual teria sido o custo dos “erros de seleção” que nós teríamos cometido descartando os 25% de bezerras inferiores baseando-nos no PTA para Leite dos Pais ao invés da PTA Genômica para Leite?
Por lactação, seria uma perca de 323 Kg de leite por lactação, se um animal no Brasil dura em média cerca de 3,5 lactações produzindo, seria aproximadamente 1.130 Kg “perdidos” de leite na vida de cada animal, aí basta você multiplicar pelo valor do leite e ver o quanto isso impactaria economicamente na atividade. Uma atividade onde os lucros são em centavos, creio que este volume de leite por animal faria alguma diferença no final das contas.
Além do descarte feito de forma errada e “deixarmos de ganhar” com a produção daqueles animais, vamos também avaliar de outra forma. Os 75% dos animais selecionados através da PTA Genômica produziriam em média 13.424 Kg de leite/ lactação enquanto os 75% superiores selecionados através do PTA dos pais produziriam em média 13.017 Kg de leite/ lactação. Essa diferença de 407 Kg de leite por lactação foi multiplicada por 3,5 lactações por vaca (média de sobrevivência no rebanho) onde se obtem um total de 1.424 Kg de produção de leite ao longo da vida.
Depois de contabilizar o custo extra da alimentação utilizada para produzir essas 1.424 Kg de leite (50% do valor do leite adicional) e usando um preço médio do leite dos últimos três anos de R$1,25/litro (fonte: CEPEA/Esalq), nós chegamos em R$890,00 de lucro líquido adicional por vaca.
Utilizando os mesmos dados de rebanho da Universidade de Winsconsin e partindo do princípio que o teste genômico custa aproximadamente R$200,00 por animal, geraríamos R$275.010,00 em receita extra (R$890,00 por vaca multiplicado por 309 vacas mantidas como reposição do rebanho). Enquanto isso, o custo do teste genômico seria de R$82.200,00 (R$200,00 por novilha multiplicados por 411 novilhas testadas). Lembre-se que o melhoramento genético é permanente e aditivo. Isso significa que além destes ganhos imediatos, vamos perceber ainda mais ganhos financeiros quando ordenharmos as filhas e netas das novilhas selecionadas usando genômica.
Então a resposta para a pergunta: “Foi um bom investimento?” Para mim é um sonoro SIM!!!! Foi um bom investimento pagar cerca de R$200,00/animal para tomarmos a decisão mais correta e aumentar a lucratividade do rebanho leiteiro e termos progresso genético nas futuras gerações, e assim sucessivamente. E isso torna-se um ciclo VIRTUOSO, onde a cada geração estaremos produzindo mais e mais e consequentemente ganhando mais e mais.
Os ganhos de saúde também são importantes!
Neste pequeno artigo, falamos muito sobre a produção de leite, mas e com relação a algumas outras características? Primeiramente, vamos dar uma olhada nos dados do Prof. Weigel e sua equipe para dias abertos e ver como estão relacionados ao PTA genômico da vaca para a Taxa de Prenhez das Filhas (DPR) e ao PTA Médio dos Pais para DPR.
Tabela 3. Dias abertos durante a primeira lactação baseando-se na PTA Genômica para Taxa de Prenhez das Filhas | |||
Quartil | Nº de vacas | Média PTA Genômico para DPR | Dias abertos reais na primeira lactação |
25% Superiores | 60 | 1,65 | 104,9 |
25-50% Superiores | 60 | 0,65 | 113,6 |
25-50% Inferiores | 60 | -0,06 | 114,9 |
25% Inferiores | 60 | -1,08 | 125,9 |
Kent A. Weigel, Ashley A. Mikshowsky, and Victor E. Cabrera, 2015
Tabela 4. Dias abertos durante a primeira lactação baseando-se no PTA Médio dos Pais para Taxa de Prenhez das Filhas | |||
Quartil | Nº de vacas | PTA Médio dos Pais para DPR | Dias abertos reais na primeira lactação |
25% Superiores | 60 | 2,10 | 113,1 |
25-50% Superiores | 60 | 0,85 | 104,9 |
25-50% Inferiores | 60 | -0,03 | 124,9 |
25% Inferiores | 60 | -1,70 | 116,5 |
Kent A. Weigel, Ashley A. Mikshowsky, and Victor E. Cabrera, 2015
Como pode ser visto na tabela acima a diferença é gritante. Os quartis superiores versus os inferiores baseados em PTA Genômico aos 12 meses de idade apresentaram diferença de 21 dias abertos. A diferença foi de apenas 3,4 dias abertos quando as vacas foram divididas em quartis baseados apenas no PTA dos pais. Se considerarmos um custo de R$8,00 a R$12,00 por dia aberto, fica claro que as melhorias na fertilidade também podem ajudar a compensar o custo do teste genômico.
Genômica funciona!
É fato que predições genômicas não são perfeitas, mas são muito mais informativos do que as informações de pedigree apenas. Isso é verdadeiro não apenas para o PTA Genômico dos tourinhos e novilhas de fazendas elite, mas também para o desempenho futuro previsto de novilhas de reposição em fazendas comerciais, ou seja, GENÔMICA SERVE PARA QUALQUER FAZENDA PRODUTORA DE LEITE. Baseado apenas nos dados do rebanho leiteiro da Universidade de Winsconsin (Madison/WI), os benefícios do teste genômico podem superar, e muito, os investimentos em sua implantação. Além deste trabalho desenvolvido pelo Dr. Kent A. Weigel e sua equipe, temos outros diversos trabalhos mostrando a mesma consistência de resultado quando avaliamos os Genótipos x Fenótipos e consequentemente os mesmos resultados financeiros.
A razão pela qual enfatizamos a palavra “podem” é que devem ser tomadas medidas de manejo com base nos resultados dos testes genômicos. Neste estudo da Universidade de Madison, as novilhas classificadas como 25% inferiores com base em PTA Genômico foram mantidas no rebanho para fins de pesquisa, mas no futuro (e em seu rebanho), estes animais inferiores devem ser descartados, a fim de economizar com sua criação e recuperar o investimento do teste genômico. Supondo-se um custo criação pós-desmama de R$6,00/dia, a Universidade poderia ter economizado aproximadamente R$385.560,00 em custos de criação através do abate das 102 bezerras do quartil mais baixo para PTA Genômico para Leite aos 3 meses de idade.
É também importante observar outros benefícios do teste genômico sempre que possível. Esses incluem:
1) o uso das fêmeas classificadas como superiores como doadoras de embriões;
2) a utilização das fêmeas abaixo da média como receptoras de embrião;
2) o uso de sêmen sexado para criar bezerras adicionais a partir das fêmeas acima da média e;
3) o uso de programas de acasalamento genômicos para evitar defeitos hereditários e minimizar a consanguinidade.
Por fim, não subestime o valor da combinação de tecnologias, pois é claro que os benefícios do teste genômico podem ser potencializados quando usado juntamente com técnicas de biotecnologia da reprodução tais como: transferência de embriões (TE), fertilização in vitro (F.I.V), sêmen sexado, programas de acasalamento genômicos e outras tecnologias de reprodução e manejo.
Outro fato engraçado nesta questão da genômica é que muitos criadores confiam e consequentemente utilizam sêmen de tourinhos testados apenas genomicamente, mas têm dúvidas e fazem cara feia quando se fala de avaliações genômicas para fêmeas, sendo que os testes para machos ou para fêmeas são feitos da mesma forma, possuem acurácias similares e são avaliações genéticas fornecidas pelo mesmo órgão, USDA/CDBC (United States Department of Agriculture e Council Dairy Cattle Breeding). As informações obtidas por meio de testes genômicos para fêmeas ou machos é comparada com os dados genéticos de uma população de referência dos animais mais velhos da mesma raça, no dias atuais o CDBC já forneceu informações de PTA para mais de 1.200.000 animais da raça holandesa.
É uma pena que alguns produtores brasileiros estão demorando a assimilar a tecnologia e levando seus rebanhos a um atraso genético quando comparados com aqueles que estão na vanguarda do melhoramento e utilizando a todo o vapor as ferramentas da genômica tanto na aquisição de sêmen de tourinhos testados genomicamente e sem as provas convencionais quanto na seleção de suas fêmeas superiores para integrarem os diversos tipos de programas de melhoramento genético.
Rebanhos que desenvolvem protocolos padronizados para a gestão genética dos animais de reposição, incluindo o teste genômico, descarte, reprodução, acasalamento, e decisões relacionados, vai colher os maiores benefícios desta tecnologia, afinal ela é uma realidade, está em plena expansão, não possui um custo elevado, basta apenas você começar a utiliza-la.