O PASSO A PASSO DO CONTROLE ESTRATÉGICO

Especial VERÃO traz dicas de como lidar os carrapatos, um mal que assombra muitas propriedades leiteiras

DANIEL SOBREIRA RODRIGUES
Pesquisador da área de Controle de Ecto e Endoparasitoses da EPAMIG. Doutor em Ciência Animal, pela Escola de Veterinária da UFMG

ROMÁRIO CERQUEIRA LEITE
Professor Titular da Escola de Veterinária Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

 

Existem diversos fatores relacionados ao insucesso de programas de controle, mas a dificuldade em compreender o que está acontecendo em uma propriedade, de avaliar os resultados das medidas adotadas, desestimula a continuidade de ações programadas. Aquilo que não faz sentido para uma pessoa, geralmente também deixa de ter importância para ela.
Além disso, o próprio objetivo, “o controle”, é uma condição instável e que demanda monitoramento constante. Isso porque, a presença de muito carrapato é ruim, mas pouco carrapato é ruim também.
A erradicação do parasito é algo completamente fora de propósito para a nossa realidade, já que expõe os rebanhos ao risco iminente de altos índices de mortalidade por tristeza parasitária. Já as explosões populacionais, provocam grande sofrimento aos animais e determinam baixos desempenhos produtivos. Inicialmente, o objetivo de qualquer proposta de controle é manter a população de carrapatos em equilíbrio, em níveis economicamente viáveis.
Diante do exposto, idéia aqui foi organizar a abordagem do problema, justificando-a, para que os interessados percebam a importância de cumprir determinadas etapas, como condições indispensáveis nesse processo. Para isso foram enumerados quatro itens:

1. Necessidade de conhecer o comportamento do parasito
Não há como enfrentar um problema de forma consciente sem entendê-lo. Óbvio? Sim, mas muitos ainda ignoram questões básicas. Considera-se que pelo menos o ciclo de vida deva ser bem compreendido. No entanto, quanto mais conhecimento, melhor.
Embora seja eventualmente observado parasitando diferentes hospedeiros, esse carrapato prefere os bovinos. Apenas as fêmeas ficam grandes, repletas, gordas como “mamonas” e “jabuticabas” que caem ao solo e procuram um lugar sombreado e úmido para colocar seus mais de 2.000 ovos. A cobertura vegetal oferece excelente abrigo. Após pelo menos 30 dias, eclodem as larvas popularmente conhecidas como “micuins” e comumente associadas ao cavalo. Entretanto, ocorrem para qualquer espécie de carrapato: do boi, do cão, do cavalo, etc. São miniaturas dos adultos e ao contrário do que muitos pensam, não são uma espécie diferente, são como “filhotes” que após se alimentarem, ainda vão mudar para um estágio intermediário antes de se diferenciarem em machos e fêmeas. O macho é pequeno e praticamente não aumenta de tamanho quando se alimenta. É facilmente observado por baixo de fêmeas que estão começando a engordar, enquanto realiza a cópula. Na maior parte das vezes, o período que um “micuim” leva para chegar ao estádio de fêmea repleta e se desprender do hospedeiro é de 21 a 23 dias. Daí o intervalo entre banhos sugerido em propostas de controle estratégico.

2. Realização de testes laboratoriais, ou biocarrapaticidogramas
Esses testes servem para avaliar a eficiência e orientar a escolha do produto carrapaticida mais apropriado. Além de evitar desperdício de tempo e dinheiro, são fornecidos de forma gratuita pela EMBRAPA, ficando a cargo do solicitante apenas o custo do envio. Não há razões para que não sejam feitos, ainda mais diante da situação de resistência dos carrapatos atualmente, tão disseminada.
Técnicos e produtores muitas vezes ficam em dúvida a respeito dos resultados laboratoriais e dos efeitos observados na prática, que parecem não coincidir. Bem, o efeito do produto em laboratório não pode ser extrapolado de forma direta para as condições de campo. Em algumas situações, principalmente quando a infestação é muito grande, a quantidade de carrapatos que sobrevivem ao tratamento também é grande e não permite ao observador perceber muito facilmente que houve mortalidade. Falhas na aplicação também devem ser consideradas. Além disso, os princípios ativos disponíveis possuem diferentes apresentações comerciais e mecanismos de ação, e isso interfere na forma como o efeito se manifesta. Portanto, a presença de carrapatos após um tratamento carrapaticida não quer dizer, necessariamente, que o produto não está funcionando. Se as dúvidas persistem, recomenda-se repetir o biocarrapaticidograma. Inclusive, a realização de testes anuais deve ser uma atividade de rotina.

3. Para manipular e aplicar pesticidas e medicamentos é preciso treinamento, equipamento e infraestrutura adequados
Essa é uma condição geral. Falhas na manipulação e aplicação de produtos comprometem a qualidade dos tratamentos e podem provocar acidentes. É preciso ter condições adequadas de trabalho.
Mesmo as apresentações “pour on”, que são extremamente práticas, demandam infraestrutura de contenção e cuidados com a utilização de EPI (Equipamentos de Proteção Individual). A sala de ordenha não é o lugar apropriado para a realização desse procedimento.
A aplicação na forma de banho por aspersão tem deixado de ser utilizada, em parte por causa da alternativa do “pour on”, mas principalmente por falta de condições adequadas de trabalho. A bomba costal e as lavadoras de pressão não foram desenvolvidas para essa finalidade e não favorecem a realização do procedimento. O primeiro é um equipamento agrícola e o outro, de limpeza. Com uma contenção adequada e um equipamento estacionário de pulverização, com regulagem de pressão de trabalho, é possível realizar um banho por aspersão com qualidade, de forma econômica e confortável para o operador.
Temos poucos métodos viáveis disponíveis; basicamente aspersão, injetável e “pour on”; e muitas limitações do ponto de vista da resistência do parasito e dos problemas com resíduos. Considera-se essencial preservar ao máximo, as alternativas, lembrando que os princípios ativos não estão disponíveis em todas as apresentações e que existem várias restrições de uso, principalmente no caso de vacas em lactação.

4. Definir a época e a frequência dos tratamentos
Por definição, o controle estratégico consiste em realizar tratamentos em intervalos regulares, por um período próximo ao período máximo de sobrevivência dos carrapatos que estão no ambiente o que, a rigor, pode ser feito em qualquer época do ano. Os tratamentos realizados fora do período previamente determinado são chamados de táticos. O período de quatro meses tem sido recomendado na maior parte das propostas.
Entretanto, sabe-se que é preciso considerar as condições geográficas e de manejo específicas de cada propriedade. Elaborar uma estratégia implica fazer um diagnóstico de situação e avaliar aspectos como nível tecnológico, tamanho de rebanho, modelo de produção, sistema de pastoreio, taxas de lotação, composição racial, clima e qualidade da pastagem. São fatores que interferem na forma como a população do parasito se comporta e na definição das ações. Métodos auxiliares também devem ser considerados no processo, pois contribuem para a redução do uso de pesticidas. Sempre que possível, devem ser estimulados ou aproveitados, como por exemplo: incrementar o descarte de animais “sangue doce” ou manejar áreas de pastagem em sistema de rotação de culturas.
As propostas de controle estratégico existentes, algumas bastante divulgadas, são uma orientação básica que não dispensa a necessidade de acompanhamento técnico capacitado. Além disso, o uso de medicamentos e pesticidas envolve riscos à saúde pública, aos animais e ao ambiente. É preciso fomentar o uso racional dos antiparasitários. Portanto, a assistência técnica pública e/ou privada deve ser consultada.
Resumindo: o passo a passo deste texto consiste em convencer o leitor de que é preciso conhecer o carrapato, avaliar a sensibilidade da população local, escolher um produto apropriado e ter as condições necessárias para utilizá-lo, para que, aí então, se possa elaborar e implantar um programa de controle, realmente estratégico.

Fonte: MilkPoint