DESEJÁVEL OU NÃO DESEJÁVEL?

O criador deve estar atento para interpretar da forma correta as informações oferecidas pelo mercado

Foto Wagner Correa

2016_11-44

Genética é um assunto muito discutido e estudado por várias gerações, seja nos humanos, animais ou até mesmo em vegetais, genética é um assunto tão apaixonante que normalmente o próprio criador se envolve diretamente na escolha dos touros e matrizes que serão acasalados e formarão o futuro rebanho da propriedade. Todos querem conhecer melhor as suas origens e características e fazer um prognóstico mais preciso sobre o seu futuro.
A cada ano, a ciência estuda novas formas de alcançar dados mais precisos sobre a evolução de tudo que é vivo. E graças a ela o mundo evolui, cresce com mais qualidade, rumo ao caminho mais desejável.
Vale lembrar que não existem touros ou vacas perfeitas, esse é sim, o desejo de todos os criadores e o trabalho de pesquisa que há anos vem sendo desenvolvidos: a busca constante pelos animais que sejam mais produtivos e consequentemente mais lucrativos.
Em 2009, como objetivo de aumento da eficiência no processo de seleção genética e consequente aceleração dos ganhos genéticos, a genômica começou a ser utilizada de forma comercial, este assunto deixava de ser tema apenas de laboratórios de pesquisa, bancos de universidade e congressos científicos, mas ganhava as fazendas e virava assunto nas conversas de criadores ao redor de todo o mundo. Começava aí a “ERA GENÔMICA”, baseado em marcadores moleculares que tem seus efeitos genéticos estimados a partir de dados fenotípicos esta poderosa ferramenta vem se aliar as avaliações genéticas tradicionais fazendo que a seleção genética dos animais ganhe um importante aumento de acurácia e permita que os criadores tomem decisões mais acertadas e mais precocemente.
Em décadas passadas não se falava em genômica e com seu avanço tem se descoberto cada vez mais assuntos relacionado as genéticas dos animais.
No mês de outubro, muito se falou sobre esse tema. Em pesquisa recente, com o auxílio da genômica, foi identificado no consagrado touro Pawnee Farm Arlinda Chief, entre os vários genes desejáveis, havia um gene indesejável e que não havia como ser identificado à época. Atualmente, por meios de pesquisas utilizando a genômica, conseguiram rastrear esse gene e chegaram à conclusão que “Arlinda Chief”era o percursor deste gene e que sua presença aumentava a probabilidade de ocorrência de abortos.
O estudo que apontou essa anomalia genética foi publicado por Adams em 2012 e Fritz em 2013, mas em agosto deste ano, no Journal of Dairy Science um novo estudo foi publicado validando o estudo de Adams e estimando perdas econômicas obtidas pela presença deste gene na raça holandesa, uma vez que Arlinda Chief foi um touro extremamente utilizado.
Nascido nos Estados Unidos, em 1962, Arlinda Chief gerou 16 mil crias, 500 mil netas, dois milhões de bisnetas e proporcionou uma renda estimada de US$30 bilhões de dólares para a indústria leiteira americana. Há cerca de 9,32 milhões de vacas leiteiras nos Estados Unidos e a produção de leite gerou R$ 827 bilhões em 2015. A receita gerada por todo esse leite chega a R$ 113 bilhões. Vale destacar que em 1975, a vaca Beecher Arlinda Ellen, uma de suas filhas, produziu 23 galões de leite em um dia, um recorde mundial para a época. Outro filho de Arlinda Chief, um touro conhecido como Walkaway Chief Mark, é o único responsável por 7% do genoma das vacas Holstein na América do Norte, segundo a Milkgenomics, uma organização internacional de cientistas especializados na genética do leite.
Para entender melhor sobre esse assunto, o JORNAL HOLANDÊS convidou o Zootecnista Cleocy Júnior para esclarecer algumas dúvidas sobre seleção genética e explicar como vem evoluindo essa ciência.
“Arlinda Chief foi um touro de extrema importância para a raça Holandesa, pois produziu diversos outros grandes touros e também grandes vacas que foram responsáveis pela enorme evolução da raça Holandesa, principalmente seu filho, Walkway Chief Mark, que acredito ser o maior responsável pela qualidade dos úberes da raça Holandesa nos últimos anos”, comenta Cleocy.

JORNAL HOLANDÊS: Como funciona e qual a importância da seleção genética para o rebanho?
CLEOCY JR.: O processo de seleção de animais com genótipo superior para as características desejadas em uma propriedade é parte fundamental dentro de um Programa de Melhoramento Genético. O objetivo desta seleção é aumentar a quantidade de genes desejáveis dentro de uma população (rebanho). Portanto, a Seleção Genética se baseia em duas etapas. Primeiro, é necessário identificar os animais com genótipo superior e, em uma segunda etapa, estes animais superiores devem servir como reprodutores e matrizes da próxima geração. Somente através da seleção genética precisa e eficiente é que realmente se obtém melhoramento genético.

JH: Como era realizada a seleção genética antes da era genômica?
CJr: A seleção era feita através das avaliações genéticas tradicionais, no caso dos machos pelos famosos testes de progênie que ainda continuam sendo utilizados, mas juntamente com a genômica. É preciso que o criador entenda que a melhor forma de realizar a seleção de seus animais que serão pais e mães das próximas gerações é através de avaliações genéticas consistentes e confiáveis, seja ela auxiliada pela genômica ou não. Não podemos nos basear apenas no fenótipo dos animais para realizar nossas escolhas, pois desta forma aumentamos consideravelmente nossa chance de erro.

JH: Existe touro 100% perfeito?
CJr: Definitivamente a resposta é NÃO.

JH: Já que a perfeição não existe, como deve ser a escolha de animais para reprodução e como devem ser interpretadas as informações que revelam alguma anomalia?
CJr: Primeiramente o criador tem que ter em mente seu objetivo de seleção e a partir daí escolher touros e também fêmeas que estejam em conformidade com estes objetivos para “multiplicá-los”.
Com o advento da genômica, tem se descoberto muitos genes que causam diferentes “problemas genéticos” e sempre que possível deve-se tentar não utilizar animais (reprodutores e doadoras) que possuem tais genes, mas se não é possível evitar a utilização deve ao menos evitar que os touros que possuem tais genes acasalem com vacas que também possuem o mesmo gene, pois se isso ocorrer há uma chance alta de colher maus resultados.
O que ocorreu no caso do Arlinda Chief é que ele era um touro que possuía diversos genes (características) desejáveis e por isso foi um reprodutor amplamente utilizado a sua época, mas ele também possuía um gene (desconhecido à época) que aumentava a probabilidade de ocorrência de abortos.

JH: O touro que possui características não desejáveis deve ser dispensado imediatamente?
CJr: Não é porque o touro possui alguma característica indesejável que de imediato necessite ser dispensado, se puder fazer ótimo, pois assim não se permite que tal gene indesejável permaneça nas futuras gerações do seu rebanho. Mas se não puder evitar de utilizá-lo, é possível utilizar um touro que apresente algum problema genético, só que o criador deverá estar atento na hora do acasalamento, pois deve ser realizado com vacas que não possuem os genes indesejáveis.

JH: Para refletir…
CJr: Deveríamos “endemonizar” o touro Durham por ser testado positivo para CVM, doença genética que devido a má formação da coluna vertebral, em sua maioria, causa aborto ou o feto morre até 48 horas após o nascimento?
Claro que não, se sabemos que Durham é positivo para esta doença, devemos evitar que este seja acasalado com fêmeas portadoras da mesma, mas não devemos deixar de aproveitar todos os benefícios e lucratividade que estes grandes touros trouxeram para a raça.

JH: Quais os locais que o criador deve procurar para conseguir informações seguras?
CJr: As centrais de inseminação possuem todas as informações genéticas dos touros que comercializam e atualmente, através das avaliações genômicas, também é possível conhecer, em sua totalidade, a genética dos animais que possuímos em casa. A maioria das centrais de inseminação e também das empresas que comercializam testes genômicos para fêmeas têm equipe técnica competente para ajudar o criador a encontrar seus objetivos de seleção e também gerenciar as informações que possui para evitar que problemas genéticos persistam.

JH: Mensagem aos criadores…
CJr: O conhecimento atual da genética é muito grande, as informações estão aí, disponíveis para todos, basta saber o que significam essas informações e como devem ser gerenciadas de acordo com os objetivos do seu rebanho.

 

“O MERCADO PERTENCE AOS EFICIENTES, OS INEFICIENTES
SERÃO DESCARTADOS POR SELEÇÃO NATURAL”

O JORNAL HOLANDÊS convidou o Zootecnista, Fabio Fogaça para explicar um pouco mais sobre as anomalias genéticas e tirar importantes dúvidas dos criadores. Fogaça ressalta que sem as informações dos ancestrais, não se consegue nenhum progresso genético e sem informações básicas não se avança rapidamente no negócio leite.
Se avaliarmos as genealogias de todos os animais da raça Holandesa identificados em qualquer parte do mundo, sem dúvida, na maioria deles, encontraremos lá atrás dois patriarcas da raça: Round Oak Rag Apple “Elevation” e Pawnee Farm Arlinda “Chief”. Foram eles que na maioria das vezes geraram reprodutores e matrizes que nos trouxeram os indivíduos atuais da raça.
Como querer achar defeitos ou malefícios, possivelmente provocado por eles?!
De maneira alguma existe ou já existiu um touro perfeito, bem como, nunca existirá uma vaca perfeita! E geneticamente, essa perfeição não existe porque o que é bom para um pode não ser para o outro. Não porque uma das partes seja exigente demais, mas porque nos milhares de rebanhos de produção de leite, existentes no Brasil, se formos questionar os proprietários encontraremos diferentes mercados, relevos, ambientes, instalações, etc… Portanto sempre existirão objetivos e necessidades diferentes entre todos eles.
Desde 2009 é que está ocorrendo de uma maneira um pouco mais intensa, a descoberta de certas anomalias genéticas que impactam diretamente a indústria leiteira. E por quê? Pois foi a partir desse ano que tivemos a possibilidade do uso comercial dos testes genômicos nas raças leiteiras europeias. Desde então, nós conseguimos enxergar e considerar muito mais precisamente, o que realmente existe nos genes dos animais. Atualmente, só nos EUA com mais de 1,5 milhão de animais genotipados, tem um potente banco de dados que é base para inúmeras análises, avaliações, pesquisas… Que passaram a vasculhar mais e mais os genes desses indivíduos genotipados, e com muito mais detalhes e exatidão! Presentemente temos anomalias já identificadas, mas algumas delas, com o tempo, passaremos a ter conhecimento de inúmeros outros, porque não deixaremos de continuar vasculhando o genoma dos animais. Alguns podem interpretar negativamente essa questão de que ainda teremos outras anomalias por vir. Mas eu vejo positivamente, porque tendo conhecimento das mesmas e em que linhagens elas são encontradas, teremos condições de evitar ou mesmo eliminar os malefícios provocados.
Nos dias de hoje temos variados padrões de touros e em diversas raças que carreiam anomalias, ou tecnicamente dizendo, haplótipos que podem provocar um impacto negativo no negócio de qualquer produtor.
Portanto temos que evitar o uso dos mesmos?
De maneira alguma, pois muitas vezes um determinado touro pode possuir potencial genético que possibilita o incremento em várias características econômicas positivas para a pecuária leiteira. Os haplótipos são encontrados em algumas linhagens e não em toda população de uma determinada raça. Portanto, a estratégia é fazer uso de qualquer um que possa trazer benefícios econômicos ao negócio do produtor, é claro, evitando-se usar casais que sejam da mesma linhagem que possui o haplótipo.
Mas como o produtor irá avaliar todas as linhagens presentes em um rebanho?
Um produtor de leite, com inúmeras decisões para se tomar diariamente, de maneira alguma arrumará tempo para isso. Mas a maioria das empresas que comercializam sêmen possuem softwares especializados para fazer isso e com alta precisão. Mas, para que seja bem feito e seguro, será necessário algumas poucas informações da genealogia dos animais de um rebanho e assim o programa irá dizer em quais fêmeas poderá ser usado um determinado touro, mesmo que seja portador de um haplótipo. Sem essas informações dos ancestrais, também não se consegue nenhum progresso genético e sem informações básicas não se avança rapidamente no negócio leite.
Afinal, não se atinge a devida eficiência. E hoje em dia, o mercado pertence aos eficientes, os ineficientes serão descartados por seleção natural.