Fornecer mais refeições de colostro traz vários benefícios para as bezerras
Ruminantes recém-nascidos são dependentes do consumo de colostro para que tenham anticorpos (Ig) circulantes nas primeiras semanas de vida e possam combater patógenos até que seu sistema imune comece a produzir seus próprios anticorpos.
Essa dependência ocorre em resposta ao tipo de placenta dos ruminantes que é composta por 3 camadas maternas e mais 3 camadas fetais, o que traz grande proteção ao feto, mas impede a transferência de anticorpos durante a gestação.
Assim, os bezerros nascem desprovidos de anticorpos circulantes. No entanto, como a natureza é sábia (!), o colostro é um alimento rico em anticorpos produzidos pela mãe, os quais serão absorvidos pelo recém-nascido nas primeiras horas de vida. Além de prover anticorpos para o recém-nascido, o colostro tem alto valor nutricional, com maiores concentrações de proteína e gordura que o leite, e também uma série de compostos bioativos que estão relacionados ao desenvolvimento intestinal.
Já há muitas décadas são realizadas pesquisas para entender as funções do colostro para os recém-nascidos. Existem artigos científicos que datam do início dos anos 1920, ou seja, há mais de 100 anos temos pesquisadores debruçados nesse alimento tão importante. Nestes anos, além de se provar o importante papel do colostro para a nutrição do recém-nascido, se entendeu a importância de seu consumo para a sobrevivência dos animais em função da absorção de anticorpos.
A importância de tempo para o fornecimento, qualidade e volume do colostro ofertado aparecem na literatura de forma mais contundente em meados da década de 1970. E de lá pra cá foram muitas as recomendações baseadas neste tripé, que resume o processo biológico da colostragem.
No início da década de 1990 a recomendação era de fornecimento de 2 L de colostro ao nascer (ou o quanto antes) e mais 2 L na próxima refeição ou 12 h após o nascimento. Esta recomendação foi utilizada por muitos anos, até que a publicação de Godden et al. (2008), sugeriu o fornecimento de volume de colostro em função do peso ao nascer (PN, 10%) dentro das 6 primeiras horas de vida do animal.
Esta recomendação praticamente dobrou o volume de fornecimento na primeira refeição se considerarmos um animal com 40 kg de PN, em um período de tempo em que os animais tem a maior capacidade de absorver Ig. Esta recomendação foi amplamente adotada e trouxe muitos benefícios, mas a maior parte dos produtores passaram a realizar somente o fornecimento de colostro na primeira refeição dos bezerros, o que reduziu a possibilidade de maiores consumos de IgG. Por outro lado, resultou em um grande incremento na indústria leiteira com redução das taxas de mortalidade e morbidade.
“O colostro tem alto valor nutricional, com maiores concentrações de proteína e gordura que o leite, e também uma série de compostos bioativos que estão relacionados ao desenvolvimento intestinal”
No entanto, ainda existia uma grande oportunidade para uma redução ainda mais expressiva dessas taxas, uma vez que o processo de fechamento do intestino ocorre por volta de 24h de vida, quando não se tem mais absorção de grandes moléculas como os anticorpos.
Assim, fornecer mais refeições de colostro pode aumentar as concentrações séricas de Ig, através de maior consumo total durante período em que ocorre absorção, favorecendo a saúde e o desempenho animal.
Em 2020, Lombard e colaboradores trabalharam com dados do USDA e mostraram as alterações nas taxas de morbidade e mortalidade em 5 levantamentos desde a década de 1990. Embora as taxas tivessem sido reduzidas, ainda estavam longe do que se considera aceitável pela indústria na criação de bezerras.
Através de análises estatísticas de dados de IgG e as probabilidades dos animais em apresentar doenças ou morrer, publicaram um consenso sobre as novas recomendações de colostragem: 10% PN em 2h após o nascimento e mais 5% PN em 6 a 8 h após, de colostro com alta qualidade imunológica (> 50 mg/mL) e microbiológica (<100.000 UFC/mL). Essa estratégia resulta em maior consumo de IgG (≈ 300 g) em período em que o animal ainda tem alta eficiência de absorção, o que aumenta a concentração de IgG sérica.
Mais recentemente, os dados de Abuelo et al. (2021) mostraram os importantes efeitos desta estratégia na saúde e desempenho de bezerras da raça Holandesa.
A segunda refeição de colostro resultou em redução da distribuição de animais nas categorias ruim e aceitável de colostragem, com aumento na categoria excelente. Embora não tenha sido observado redução de taxa de mortalidade, as taxas de morbidade foram fortemente afetadas.
O simples fornecimento de mais uma refeição de colostro reduziu em 4 vezes as chances de animais apresentarem falhas na transferência de imunidade passiva, em 2 vezes as chances de apresentarem doenças respiratórias, em 3 vezes as chances de diarreia e em 2,3 vezes as chances de apresentarem doenças de maneira geral.
“O simples fornecimento de mais uma refeição de colostro reduziu em
2 vezes as chances de apresentarem doenças respiratórias…”
Além de reduzirem as chances de apresentarem as doenças mais comuns, a segunda refeição de colostro aumenta a idade de ocorrência da doença, o que acaba afetando de forma menos importante o desempenho dos animais. Doenças respiratórias ocorreram em bezerros com em torno de 81 dias de vida com duas refeições e 57 dias com apenas uma refeição de colostro. Para as diarreias esses números foram de em torno de 35 dias versus 13 dias de idade. Assim, o ganho de peso dos animais teve uma diferença de 130g/d, o que representa mais de 10 kg de peso ao desaleitamento, quando se consideram 80 dias de aleitamento.
Ainda, animais que receberam a segunda refeição também apresentaram maior produção de leite na primeira lactação, com diferença em torno de 985 L.
Os maiores consumos de colostro já haviam sido relacionados a maior produção de leite futura em outros artigos como DeNise et al. (1989) e Faber et al. (2005), o que sugere que este efeito é consistente e que vale à pena investir mão de obra e logística ou rotina para que a segunda refeição aconteça.
O NASEM (2021) recomenda o fornecimento da segunda refeição de colostro, também baseado nos seus benefícios na redução e morbidade e aumento do desempenho.
Um belo exemplo de sucesso com a adoção da segunda refeição pode ser visto com os dados da Fazenda Cobiça nos Anais do Simpósio Alta Cria (2022). A fazenda adotou a segunda refeição de colostro a partir de outubro de 2021, através do fornecimento de colostro com 27% de brix, no volume correspondente a 5% do PN, até 6h após a primeira refeição. Depois da adoção desta estratégia, a fazenda aumentou de forma significativa a porcentagem de animais classificados na categoria excelente (>9,4% de brix sérico).
Com essa melhor transferência de imunidade passiva, houve redução na duração de casos de diarreia e no número de casos de pneumonia, o que resultou em maior ganho médio diário. A fazenda relata grande diferença na saúde dos animais após a adoção da segunda refeição de colostro.
É importante lembrar que o fornecimento da segunda refeição deve estar baseado nos mesmos preceitos da primeira refeição: colostro de alta qualidade imunológica e microbiológica, utensílios limpos e uso da sonda caso o animal não queira mamar.
O produtor ganha em várias frentes no sistema de criação de bezerras:
– Aproveita mais o período de absorção de IgG, o que auxilia na redução de falhas na transferência de imunidade passiva;
– Reduz a taxa de morbidade e, consequentemente, o custo de produção, principalmente devido ao menor uso de medicamentos, mas também em função do maior ganho de peso;
– Obtém fêmeas com maior potencial de produção de leite, o que permite o pagamento do investimento na criação da fêmea de forma antecipada, o que aumenta a rentabilidade do rebanho.
FONTE: MilkPoint por Carla Maris Machado Bittar e Geovanna Branquinho