O QUE FAZER SE A CETOSE APARECER?

Estratégias de manejo e alimentação adequados são fundamentais para a prevenção da cetose subclínica em rebanhos leiteiros

A cetose bovina é uma doença metabólica que acomete principalmente vacas de alta produção no período de transição predominantemente nas três semanas após o parto.

“A ocorrência da cetose está relacionada ao puerpério, período em que as fêmeas bovinas encontram-se em balanço energético negativo (BEN) devido ao súbito aumento de suas exigências.”

O QUE É A CETOSE?

A cetose é uma doença metabólica que geralmente afeta rebanhos de alta produção devido à alta demanda metabólica dos animais.

É importante lembrar que a ingestão de matéria seca do animal durante o terço final da gestação encontra-se prejudicada, já que neste período há o crescimento exponencial do feto, ocasionando no aumento de volume uterino, que ocupa grande parte da cavidade abdominal e compromete a expansão ruminal.

A ocorrência da doença está relacionada ao puerpério, período em que as fêmeas bovinas encontram-se em balanço energético negativo (BEN) devido ao súbito aumento de suas exigências, pois esta se tornará uma lactante subitamente. Quando o BEN é excessivo, ele pode ser considerado patológico, dando origem à cetose.


O QUE É PERÍODO DE TRANSIÇÃO?

O período chamado “de transição”, compreende o intervalo de três semanas antes do parto e três semanas após o parto, em que a vaca passa por mudanças em seu estado endocrinológico, anatômico, comportamental e fisiológico, se preparando para o parto e para a lactogênese e para que se entenda os processos que envolvem a gênese da doença, é necessário compreender este período.

A maior ocorrência desta doença em vacas de alta produção explica-se pelo fato de que, devido à grande quantidade de leite produzido, neste período os animais demandam maior quantidade de nutrientes, principalmente glicose, aminoácidos e ácidos graxos não esterificados para que seja dado o aporte necessário ao parênquima secretor da glândula mamária. Dessa forma, a resposta biológica se concentra em aumentar a mobilização de nutrientes do fígado e do tecido adiposo no período de transição.


COMO ACONTECE A CETOSE?

Em vacas lactentes saudáveis, as principais fontes de energia se encontram na forma de ácidos graxos voláteis (AGV), cujos principais são o ácido acético (acetato), o ácido propiônico (propionato) e ácido butírico (butirato), produzidos pela microbiota ruminal.

O ácido acético é utilizado principalmente para lipogênese, podendo ser oxidado em diversos tecidos, a exemplo da glândula mamária, quando é incorporado diretamente na gordura do leite. O ácido butírico é condensado em acetoacetil-CoA, que pode ser parcialmente oxidado em corpos cetônicos (CC) ou transformado em acetil-CoA, entrando no ciclo de Krebs, porém sem a produção de glicose. Já o ácido propiônico é o principal precursor de glicose em ruminantes, utilizado pelo fígado no processo de gliconeogênese entrando diretamente no ciclo de Krebs ao nível do succinil-CoA e dando origem a cerca de 30 a 50% da glicose produzida pelos bovinos.

Já os corpos cetônicos gerados pelo metabolismo dos AGV citados anteriormente são incorporados ao ciclo de Krebs por meio da Acetil-Coa, que é totalmente oxidada gerando energia na forma de ATP. Uma das moléculas necessárias para que esta oxidação ocorra de forma completa é o oxaloacetato, que tem origem de precursores gliconeogênicos, como o propionato, lactato e piruvato.

No caso de animais em balanço energético negativo, onde a ingestão de alimento não supre a demanda nutricional exigida, há uma queda significativa na capacidade do fígado de incorporar os corpos cetônicos adequadamente no Ciclo de Krebs, ocasionando aumento no nível dos CC circulantes, há acetonemia e consequentemente cetonúria.

Seguindo o mesmo raciocínio, com a diminuição da gliconeogênese, o animal apresenta hipoglicemia e consequente hiperglucagonemia, resultando no aumento da atividade da enzima lipase hormônio sensível. Essa constante quebra de lipídeos em ácidos graxos livres (AG) acarreta numa captação exacerbada dos mesmos pelo fígado, que por sua vez não é capaz de metabolizar e exportá-los na velocidade de quantidade necessárias. Como consequência, os AG se depositam no citoplasma dos hepatócitos levando ao quadro de esteatose hepática.


TIPOS DE CETOSE

A cetose clínica primária acomete vacas que podem apresentar sinais clínicos no início da lactação sem apresentarem nenhuma outra doença, com uma condição corporal de boa a excessiva, de alta produção leiteira e que são alimentadas com ração de boa qualidade, mas que estão em BEN;

A cetose clínica secundária é consequência de qualquer doença que cause redução da ingestão de alimentos, anorexia ou alteração no metabolismo dos carboidratos, como distúrbios puerperais, mastite, deslocamento de abomaso.

A cetose por inanição ou subconsumo acontece quando a vaca não possui uma dieta que seja capaz de suprir suas necessidades nutricionais adequadamente, enquanto que a cetose alimentar ou butírica ocorre após alta ingestão de butirato na silagem ou no feno mal conservado, dietas ricas em precursores cetogênicos.

Já na cetose subclínica observamos a maioria das vacas clinicamente normais, sem sinais da cetose, porém apresentam resultados laboratoriais alterados, principalmente valores altos de corpos cetônicos. No Brasil é a que mais ocorre, podendo afetar grande parte do rebanho leiteiro, com acentuada perda de produção já que a doença não é prontamente identificada.


SINAIS CLÍNICOS DA CETOSE

Dentre os sinais clínicos mais comuns, temos:

Perda de peso e da condição corporal;

Fezes secas;

Pelagem com aspecto seco,

Presença de corpos cetônicos na saliva, urina e no sangue, causando, respectivamente,  hálito cetônico, cetonúria e acetonemia;

Perda gradual de apetite e a diminuição da produção de leite também é comum na doença.

Em casos mais graves, pode-se observar sinais neurológicos, como o andar em círculos, pressão da cabeça contra objetos, cruzamento ou afastamento de pernas, mastigação e salivação excessiva, lambedura de objetos e pele, hiperestesia e até mesmo tremores moderados, cegueira e tetania, e alguns animais podem permanecer caídos. Podem apresentar também hipoglicemia, em que os animais denotam fraqueza, depressão moderada e relutância ao movimento.

Na cetose subclínica o animal não apresenta sinais clínicos, porém tem-se a queda da produção de leite e a elevação de corpos cetônicos no sangue. Na cetose secundária, é comum o animal apresentar febre discreta e aumento da frequência cardíaca quando associada às doenças inflamatórias primárias.


DIAGNÓSTICO

O diagnóstico pode ser realizado através dos sinais clínicos, da epidemiologia, da análise de glicose e ácidos graxos livres no sangue e da mensuração da concentração de beta-hidroxibutirato (BHBA) no sangue, urina ou leite.

O teste da urina apresenta alguns inconvenientes. A dificuldade em coletar a urina do animal é um deles, podendo ser realizada por sonda, de forma espontânea ou massageando a região do períneo próximo a vulva ou prepúcio com água morna. Outro inconveniente é que a tira do teste deve ser mergulhada na urina por exatamente 15 segundos, podendo apresentar um falso positivo se ficar mergulhada por mais tempo.

Em contrapartida, o teste realizado no leite é feito de forma mais simples e fácil. O teste de BHBA no sangue vai apresentar maior sensibilidade e especificidade, sendo o mais aconselhável.

A glicose é outro parâmetro a auxiliar no diagnóstico. Animais saudáveis vão apresentar níveis de glicose entre 55 e 70 mg/dL; vacas com cetose subclínica manifestam níveis entre 35 e 50 mg/dL e, com cetose clínica, apresentam níveis abaixo de 35mg/dL.


TRATAMENTO

O método mais corriqueiro para tratar a cetose é o uso de soluções glicosadas a 5% ou 50%, a fim de elevar os níveis de glicose sérica e garantir a síntese de lactato a partir desse carboidrato, reduzindo o gasto de reservas corporais.

A administração de glicose 50% possibilita a diminuição de BHBA durante 24 horas e pode promover um aumento imediato dos níveis de glicose no sangue em até oito vezes, no entanto após duas horas, os níveis retornam à normalidade.

O uso de glicocorticoides pode ser realizado com a finalidade de reduzir a síntese de lactose diminuindo a produção de leite e consequentemente a demanda de glicose, além de estimular a gliconeogênese. Administrar insulina vai proporcionar a diminuição da lipólise e o aumento da lipogênese, resultando numa maior utilização de corpos cetônicos como fonte de energia.

A administração oral de propilenoglicol somada a administração intravenosa de glicose e injeções intramusculares de glicocorticoides e insulina são citados como os principais medicamentos para combater a cetose.

O propilenoglicol quando administrado vai ser metabolizado no rúmen em propionato ou vai ser diretamente absorvido e ser utilizado como substrato na gliconeogênese, resultando no aumento de glicose e insulina no sangue, com diminuição da concentração de ácidos graxos não esterificados e BHBA. Deve-se ter cautela na utilização dessa terapia, já que a substância, em excesso, é tóxica para a microbiota ruminal.


PREVENÇÃO

A melhor forma de prevenção da cetose em bovinos está relacionada com a nutrição e manejos adequados, considerando: o consumo de matéria seca, digestibilidade da fibra, densidade de energia, teor de proteína e etc.

No período de transição, a dieta deverá fornecer energia suficiente para a produção leiteira, levando em conta a diminuição da ingestão de matéria seca no pós parto. No pós parto, recomenda-se o uso de rações mais palatáveis, com alta densidade energética e com ótimos níveis de proteína e fibras.

O controle do escore corporal (ECC) em vacas leiteiras no período seco é uma ótima forma de prevenção, sendo recomendado um escore de 3,5 (escala de 1 a 5). Vacas que chegam ao parto mais gordas tendem a consumir menos alimentos no pós-parto por possuírem alto nível do hormônio leptina, necessitando mobilizar mais reservas corporais, portanto mais sujeitas a problemas metabólicos. Já as vacas magras no momento do parto (ECC abaixo de 3) não possuem adequadas reservas de energia para suportar toda a lactação.

Alguns aditivos podem ser usados na dieta como forma de prevenção, podendo ser citado a niacina, propionato de sódio, propionato de cálcio, propileno-glicol e colina, que devem ser adicionados 2 a 3 semanas antes do parto.  A niacina é uma vitamina do complexo B que, no início da lactação, auxilia a reduzir a mobilização de gordura corporal, melhorando o balanço energético.

Também, o uso de ionóforos, principalmente a monensina sódica, auxiliam na prevenção da cetose. Ela aumenta a produção de propionato, levando a um aumento de glicose disponível e ainda reduz a perda de energia por meio da diminuição da metanogênese.

A somatotropina bovina (STB) é um hormônio proteico que pode ser utilizado com o objetivo de alterar o metabolismo para que mais nutrientes possam ir para a síntese de leite na glândula mamária, tendo o aumento da produção leiteira como resultado. Vacas que recebem  STB apresentam níveis de glicose mais elevados e menor concentração de ácidos graxos livres e corpos cetônicos, além de uma maior ingestão de alimentos.

Em geral, a cetose não é uma doença de grande mortalidade, porém causa grandes prejuízos para a pecuária leiteira.

Deve-se atentar à forma subclínica da cetose, já que a falta de sinais clínicos prejudica o diagnóstico a campo. Um animal bem tratado pode ter uma recuperação rápida, minimizando grandes problemas. Com adequado manejo nutricional, profilático e terapêutico, é possível controlar a doença ou os impactos negativos causados pela doença.

Fonte: MilkPoint / Autores: Gabrielle Araujo Rodrigues dos Santos e Thaíne Lopes Bueno –  discentes; Ana Paula Lopes Marques – orientadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ